O investimento público federal com coleta de lixo, um serviço essencial para o bem-estar da população, virou foco de despesas milionárias crescentes e fora do padrão nos últimos anos. Nas mãos do Congresso e do governo, a compra e a distribuição de caminhões de lixo para pequenas cidades saltaram de 85 para 488 veículos de 2019 para 2021.
Avaliados com cuidado, esses gastos revelam transações difíceis de entender, como a da cidade do interior de Alagoas que tem menos lixo do que caminhões para recolhê-lo ou a diferença de R$ 114 mil no preço de veículos iguais, comprados no espaço de apenas um mês – sem falar da presença de empresas fantasmas no meio das operações (mais informações na página ao lado).
Durante dois meses, a equipe do Estadão analisou cerca de 1,2 mil documentos referentes à aquisição desses veículos com verbas do orçamento federal, incluindo relatórios, planilhas e vídeos, num total de 7,7 gigabytes.
A distribuição de caminhões compactadores de lixo é usada por senadores, deputados e prefeitos para ganhar a simpatia e o voto dos eleitores de cidadezinhas pobres, onde a chegada desse tipo de auxílio é visível e faz enorme diferença. Até agora, o governo já destinou R$ 381 milhões para essa finalidade. A reportagem identificou indícios de pagamentos inflados de R$ 109 milhões.
A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil.
Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo. Há casos também em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço. Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum. Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo. Do jeito que está montada, a compra dos caminhões pelo governo para atender sua base no Congresso não segue nenhuma política pública de saneamento básico e não garante todas as fases da coleta de lixo. Caminhões são destinados a pequenas cidades sem qualquer plano para construção de aterros sanitários, como determinado em lei. No Piauí, por exemplo, o lixo coletado é jogado em terrenos a céu aberto em 89% das cidades. Mesmo assim, a prioridade dos políticos do Estado foi a aquisição dos veículos.
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