A articulação para aprovar a PEC da transição no Congresso ainda neste ano deu ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), poder de barganha junto ao novo governo eleito.
A votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) até meados de dezembro é considerada fundamental para o primeiro ano da gestão Lula -e Lira tem forte influência sobre o ritmo de análise da proposta.
Na quinta-feira (3), interlocutores do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, indicaram a Lira que o PT não pretende disputar o comando da Casa.
A própria presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), tem dito a aliados que o partido não vai apresentar candidato próprio na corrida contra o parlamentar. Ainda não há ainda definição sobre quem os petistas vão apoiar na disputa, marcada para 1º de fevereiro, quando os parlamentares eleitos tomam posse. Em paralelo, petistas elaboram uma lista de projetos que podem ser do interesse de Lira em troca de uma tramitação rápida da PEC da transição.
Da mesma forma, integrantes da cúpula do PT passaram a rechaçar a ideia de acabar com as emendas de relator no momento para evitar ruídos desnecessários com o atual presidente da Câmara. Esse tipo de emenda já foi criticado por Lula, mas é um dos pilares da influência de Lira sobre os demais parlamentares. Aliados de Lula tiveram um encontro com Lira na manhã de quinta. Na ocasião, ele disse, segundo relatos, que não aprovará nenhuma pauta bomba e buscará auxiliar o PT nas propostas elencadas como prioritárias.
Lira se alinhou ao bolsonarismo para assumir a presidência da Câmara no ano passado. Ele abraçou pautas de interesse do presidente Jair Bolsonaro (PL) e vestiu a camisa da campanha à reeleição do atual mandatário.
O interesse da equipe de Lula é costurar acordos imediatos para que o governo eleito consiga aprovar uma PEC com o objetivo de garantir o dinheiro para as promessas de campanha do petista, como a manutenção do benefício mínimo de R$ 600 para o Auxílio Brasil -que deve voltar a se chamar Bolsa Família- e o aumento real (acima da inflação) para o salário mínimo.
Uma PEC, para ser aprovada, precisa passar por duas votações tanto na Câmara como no Senado, com o apoio de ao menos três quintos dos parlamentares.
A necessidade de uma votação rápida foi um dos temas destacados por auxiliares de Lula na quinta, nas reuniões em que o coordenador da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), teve em Brasília.
“O auxílio tem que ser aprovado este mês, porque a folha de pagamentos de janeiro é rodada em dezembro. Senão você deixa 20 milhões de pessoas sem renda”, afirmou o ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador técnico da equipe de transição.
Integrantes do PT dizem que vão negociar com Lira e partidos do centrão uma lista de projetos que alinhe interesses de ambos os lados. Isso significa que, em troca da aprovação acelerada da PEC, a base política de Lula também deve desobstruir o caminho para pautas essenciais para o grupo que deu sustentação a Bolsonaro no Congresso.
Uma proposta que deve ter o aval do time de Lula é o do autocontrole sanitário -que é de interesse da bancada ruralista, hoje próxima a Bolsonaro. O projeto está pronto para ser votado no Senado e autoriza a contratação de empresas privadas para realizar a fiscalização sanitária da atividade agropecuária, isentando o Estado dessa responsabilidade e beneficiando grandes produtores que podem arcar com o aumento nos custos.
No Senado, as tratativas políticas, segundo negociadores do PT, tendem a ocorrer de forma mais tranquila, já que o partido deve apoiar a reeleição do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco já foi procurado por senadores petistas e sinalizou que pretende dar celeridade à PEC. Mais do que isso, integrantes do PT afirmam que caberá a ele opinar sobre quem deverá ser o relator da proposta. A tendência, inclusive, é que não seja um petista.
A PEC será o principal desafio político da equipe de transição de Lula. Se conseguir aprovar o texto até dezembro (como o partido quer), o governo petista já vai começar sem a dificuldade financeira -a falta de recursos para projetos foi motivo de sucessivos desgastes de Bolsonaro.
As articulações de quinta-feira já foram suficientes para irritar alguns aliados próximos de Lula.
Ao Painel o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou que a ideia da PEC é uma “barbeiragem”. Segundo ele, não era necessário “se entregar dessa forma” ao centrão. “É uma barbeiragem. O centrão já não cabe no orçamento. É preciso ouvir as pessoas”, diz.
Renan, que é adversário de Lira em Alagoas, defende que o caminho mais adequado neste momento seria fazer uma consulta ao TCU (Tribunal de Contas da União), que poderia embasar e fornecer respaldo para garantir os recursos necessários para o início do próximo governo.
Bastidores do Poder