Os maiores partidos políticos não cumpriram até a véspera do prazo final a determinação da Justiça Eleitoral de repasse das verbas do fundo eleitoral para suas candidatas e para os que se declararam negros (pretos ou pardos).
Após o generalizado atraso e descumprimento das cotas racial e de gênero nas eleições municipais de dois anos atrás, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) havia determinado que, para a atual disputa, o repasse de toda a verba ocorresse até esta terça-feira (13). Análise feita pela Folha da prestação de contas feitas por partidos e candidatos até a última sexta-feira (9), porém, mostra que nenhum dos dez maiores partidos do Brasil cumpriu até agora a determinação.
PL, PP, PT, União Brasil, PSD, MDB, PSDB, PSB, PDT e Republicanos, que têm as dez maiores bancadas na Câmara dos Deputados, continuavam com a média de repasse maior a candidatos brancos e do sexo masculino. Os números mostram que as siglas já distribuíram entre seus candidatos 66% do fundo eleitoral de R$ 5 bilhões. Os dados vão até 9 de setembro. O fundo, criado em 2017, representa a maior fonte de financiamento das campanhas eleitorais.
Pela lei, os partidos precisam destinar a verba do fundo eleitoral na proporção das candidatas (nunca menos de 30%) e dos candidatos negros que lançar. Ou seja, em média a verba para as mulheres deveria ser de ao menos 33,7% e a dos negros, 50,2%. As cotas eleitorais de gênero e raça surgiram com o objetivo de elevar a participação feminina e de negros na política. Apesar de serem maioria na sociedade, são minoria no Legislativo e no Executivo. Neste ano, o número de mulheres e de negros candidatos foi recorde —33,7% e 50,2%, respectivamente.
Apesar de a legislação e das resoluções do TSE terem reforçado a política de cotas nos últimos anos, há grande resistência dos partidos em efetivar o modelo sob o principal argumento de que encontram dificuldade em encontrar, em número suficiente, mulheres e negros com bom potencial eleitoral. Na prática, porém, parte da resistência se explica pelo fato de a elite dos partidos ser formada por homens brancos que resistem a compartilhar o espaço de poder.
Em 2020, os partidos descumpriram de forma generalizada a determinação legal das cotas. A leniência da Justiça na análise dos casos culminou com a aprovação pelo Congresso de uma anistia geral no primeiro semestre de 2022, cenário que pode se repetir na atual disputa.
Neste ano, o PSDB tem maior diferença entre o que deveria ser repassado para candidatos negros de acordo com a norma do TSE e o que efetivamente foi registrado pelos partidos. Foram 18,3% dos recursos advindos do fundo eleitoral enquanto o mínimo seria 45,8%.
A sigla registrou R$ 167 milhões em repasses do fundo eleitoral, dos quais pouco mais de R$ 31 milhões foram para pretos e pardos. O partido não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Já quando se trata das candidaturas de mulheres, a maior diferença até agora entre o exigido pelo TSE e o efetivamente repassado acontece com o PT. A sigla deveria passar pelo menos 36,8% do fundo eleitoral para mulheres, mas o percentual está em 24% no momento. O partido também não respondeu aos questionamentos.
Na média, os dez maiores partidos do Brasil deveriam repassar 47,6% dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas de negros, mas a realidade ainda está distante disso. Foram 31,6% do total para candidatos pretos ou pardos. Para mulheres, a diferença é de sete pontos percentuais —26,9%, para um mínimo de 33,9%.
Uma das estratégias adotadas pelos partidos para driblar as regras tem sido até mudar a autodeclaração de cor. Foi o caso do deputado federal José Guimarães (PT-CE), que mudou de pardo para branco a sua declaração. Com isso, diminui a proporção de negros lançados pela legenda.
A reportagem procurou todos os dez grandes partidos:
Na sua resposta, o MDB, que repassou 27,3% do fundo eleitoral para pretos e pardos enquanto deveria ter pago 50,5%, disse que em 2020 foi a sigla que mais elegeu mulheres (1.485 nomes) e negros (3.125 nomes), e “seguramente vai repetir esse resultado em 2022”.
No caso das mulheres, a diferença é menor. A norma do TSE pede 34,3% dos recursos em candidaturas femininas e o número hoje é de 31,6%.
“[O MDB] investiu e investe nessas candidaturas de acordo com a estratégia eleitoral de responsabilidade dos diretórios estaduais e a legislação vigente”, acrescentou a nota enviada pela assessoria de imprensa do partido.
O PSD disse que os repasses às instâncias partidárias e candidaturas “estão em andamento e seguem a legislação vigente”.
Os demais partidos não quiseram se manifestar.
Entre as siglas pequenas ou nanicas, há algumas que estão cumprindo a determinação da Justiça Eleitoral.
Como o PSOL, que reservou 59,4% do seu fundo eleitoral para candidaturas de pretos ou pardos e 39,4% para a das mulheres, até o momento, e o Cidadania, que está dentro da regra no caso das mulheres (60,1% dos recursos).
Lucas Marchesini e Ranier Bragon/Folhapress