O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assinou nesta sexta-feira (22) a portaria que declara o fim da emergência sanitária provocada pela Covid-19. Queiroga afirmou que a principal mudança é “essa questão de se restringir, de maneira desarrazoada, as liberdades individuais”. Ele reconheceu, porém, que não há garantia de que encerrar a emergência irá proibir prefeitos e governadores de cobrarem o uso de máscaras, entre outras medidas de combate ao novo coronavírus.
“Se gestor ‘a, b, ou c’ quer fazer diferente, que faça”, disse Queiroga à imprensa.
O fim da Espin (Emergência em Saúde Pública de importância Nacional) atende a um desejo do presidente Jair Bolsonaro (PL) de reforçar o discurso de que venceu a crise sanitária, apesar de a gestão federal estar no centro das críticas por mais de 660 mil mortes por novo coronavírus. A mudança também força gestores federais, de estados e municípios, a adequarem regras ligadas à pandemia.
O ministro fixou um período de 30 dias para o fim da emergência entrar em vigor. A ideia é que até lá os gestores mudem os textos que desejam manter ativos. A portaria deve ser publicada em edição extra do Diário Oficial da União desta sexta.
Estados e municípios chegaram a cobrar até três meses, mas a leitura do governo Bolsonaro é que, se for preciso, algumas normas podem ter a validade prorrogada. O presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Nésio Fernandes, disse ser “lamentável” que o fim da Espin “tenha se limitado a determinação política do Palácio do Planalto”. “A decisão dos 30 dias foi colocada como definição inegociável”, escreveu o secretário no Twitter.
“A portaria vem para ratificar o que já existe na prática. Como falar em emergência de saúde se hoje está acontecendo o Carnaval?”, disse Queiroga à imprensa após assinar a portaria.
O governo ainda tem dúvidas sobre o impacto do fim da Espin para algumas leis, como a 13.979, que baliza a adoção de isolamento, vacinação compulsória, uso de máscara, entre outras medidas. Bolsonaro boicotou essas restrições durante a pandemia. O secretário-executivo da Saúde, Rodrigo Cruz, disse que o governo avalia questionar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a validade desta lei após a mudança no status da crise sanitária. A ideia do governo é esvaziar essa regra para tentar dificultar que prefeitos e governadores tomem decisões diferentes daquelas orientadas por Bolsonaro.
O presidente do Conass orientou que estados vinculem regras sobre a pandemia à declaração de emergência de saúde internacional feita pela OMS a partir de agora. “Precisamos avançar na formulação dos indicadores de controle e gatilhos para adoção de novas medidas, caso ocorra novo crescimento de casos/internações/óbitos”, afirmou Nésio Fernandes nas redes sociais.
O ministro da Saúde e Bolsonaro chegaram a prometer acabar com a pandemia (emergência sanitária global) no Brasil e declarar que a Covid-19 se tornou uma endemia, cenário em que a doença apresenta número estável, mesmo que alto, e em local determinado. Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o ministro modulou o discurso ao ser alertado por auxiliares que não tem poder de encerrar a pandemia. Essa tarefa cabe à OMS (Organização Mundial da Saúde). Além disso, apontar a doença como uma endemia requer tempo maior de análise para garantir que não há risco de novos surtos.
Entre as regras mais sensíveis que são impactadas pela portaria está a autorização emergencial de uso das vacinas, como a Coronavac, e de medicamentos para Covid. A diretoria da Anvisa deve aprovar uma resolução para prorrogar por um ano esta permissão. A agência disse em nota que pediu à Saúde 15 dias úteis para adotar as medidas necessárias para alterar algumas de suas regras que são impactadas pelo fim da emergência.
“Esses atos normativos são identificados como necessários para a manutenção dos serviços essenciais à promoção e à proteção sanitária no cenário de transição, baseado no princípio da precaução e do atendimento ao interesse da saúde pública”, disse a Anvisa.
Queiroga quer aplicar a Coronavac apenas em crianças e adolescentes. O imunizante é uma das principais armas políticas de João Doria (PSDB), ex-governador de São Paulo e potencial candidato ao Planalto.
O ministro aproveitou o evento de fim da Espin para criticar a Coronavac. “Como esquema primário em adultos, não tem sustentação”, disse.
Ele afirmou ainda que esta vacina não tem aprovação das principais agências sanitárias, como dos EUA e da Europa, e não garantiu que irá indicar o uso do imunizante a crianças de 3 e 4 anos, caso a Anvisa aprove o pedido do Instituto Butantan.
“Se a Anvisa aprovar, é uma condicional. Aí se discute”, declarou o ministro.
O governo federal declarou o começo da emergência sanitária em 4 de fevereiro de 2020, em portaria assinada por Luiz Henrique Mandetta (União-MS), então ministro da Saúde.
A Espin deu bases para gestores se prepararem para o combate à Covid. Permitiu, por exemplo, contratações mais simples, sem licitação, de serviços e funcionários. Também montou uma estrutura de planejamento das respostas à pandemia, liderada pelo COE (Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública), que foi abandonado pelo governo durante a crise.
Diversas leis, portarias, além de regras de estados e municípios, colocaram a Espin como uma espécie de prazo de validade. Desde fevereiro, a Saúde passou a mapear quais medidas têm de ser adaptadas ao fim da emergência. Entre elas, há regras sobre trabalho remoto, telemedicina, liberação de verbas ligadas à pandemia, entre outras. A portaria assinada nesta sexta-feira (22) tem quatro artigos. Afirma que o ministério orientará estados e municípios sobre a “continuidade das ações” que compõem o Plano Nacional de Contingência da Covid, “com base na constante avaliação técnica dos possíveis riscos à saúde pública brasileira e das necessárias ações para seu enfrentamento”.
“Devemos, a partir do início do mês que vem, com a decisão do ministro da Saúde de colocar fim à pandemia, voltarmos à normalidade no Brasil”, disse o presidente em março, quando a promessa ainda era a de acabar com a pandemia.
A Espin é regulamentada por uma portaria de 2011. O texto afirma que a emergência deve ser declarada em surtos e epidemias com as seguintes características: apresentem risco de disseminação nacional, sejam produzidos por agente infeccioso inesperado, possam reinserir no Brasil uma doença erradicada, tenham gravidade elevada ou extrapolem a capacidade de resposta do SUS.
A emergência também pode ser declarada em situações de desastre e desassistência à população. O governo já adotou a emergência por 18 meses, a partir de novembro de 2015, por causa do surto do zika vírus e sua associação com a microcefalia. O cerne da mudança assinada por Queiroga é reforçar a versão de que o governo venceu a crise sanitária, além de desestimular o uso de máscaras e outras medidas de proteção contra o vírus. O governo federal já recomendou dispensar o uso de máscaras em ambientes de trabalho de estados e municípios com número de casos da Covid considerado “baixo” ou “moderado”, mas a medida ainda é distante de promessas anteriores de Bolsonaro e Queiroga de acabar com a pandemia ou impedir o uso obrigatório de máscaras.
Em nota, a Saúde disse que considerou a capacidade de resposta do SUS e a melhora no cenário da pandemia para acabar com a emergência. “A alta cobertura vacinal é um dos principais motivos para a queda na transmissão da Covid.”
O fim da Espin também extingue a Secovid (Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19), estrutura criada por Queiroga para coordenar as ações na pandemia.
O secretário nacional de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que o monitoramento da Covid-19 não será alterado. Ele afirmou que serão mantidas as políticas de testagem, monitoramento de contatos e de vigilância genômica da doença.
O secretário-executivo da Saúde, Rodrigo Cruz, disse que o fim da Espin também não altera a programação de transferência de recursos a estados e municípios.
A pandemia de Covid-19 causou oficialmente a morte de mais de 660 mil brasileiros. Bolsonaro decidiu ignorar recomendações de entidades de saúde, como a OMS, e boicotou o distanciamento, uso de máscaras e desestimulou a vacinação contra a Covid, especialmente das crianças. Também promoveu a fabricação e uso de medicamentos sem eficácia da Covid-19, como a hidroxicloroquina, hoje encalhada nos estoques federais e de municípios.
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